BAIXADA - “Tem que dar um jeito no cabelo dessa menina, só vive para o alto”. Aos 4 anos, Taiane Oliveira já convivia com o preconceito...
BAIXADA - “Tem que dar um jeito no cabelo dessa menina, só vive para o alto”. Aos 4 anos, Taiane Oliveira já convivia com o preconceito em relação às suas madeixas espetadas mirando o céu. A inocência da idade não lhe permitiu enfrentar a crítica à sua aparência. Na mesma época, foi levada para fazer o primeiro relaxamento.
Essa é a história de Taiane, mas pode ser aplicada à vida de milhares de jovens. Com um discurso batido, de que cabelo liso é mais bonito, várias meninas são induzidas a camuflar suas raízes quando, na verdade, deveriam deixá-las crescer.
— Sou filha de mãe branca e pai negro. Não entendia direito o motivo de relaxar o meu cabelo, mas sei que ao sair do salão não parei de receber elogios. Que menina não ficaria feliz? Desde aquele dia, era sagrado: de seis em seis meses, fazia o tratamento — conta a blogueira Taiane, que assina como Tay.
Aos 12 anos, conheceu a chapinha. Quatro anos depois evoluiu para o alisamento com formol. Tudo parecia normal. Até o momento em que Tay questionou que padrão era esse que seguia fielmente. Hoje continua atraindo caras e bocas. Só que não deixa ninguém dizer como os seus fios devem ficar.
— Temos que criar moda e exaltar as nossas características. Mostrar que aqui também tem muita beleza. É para ter orgulho — diz.
Tay vivia nos limites da Baixada. Sua realidade era dentro desse espaço. Ao entrar para a universidade, começou a conviver com pessoas de várias classes, estilos e culturas.
— Conheci outras referências e comecei a contestar tudo. Foi quando iniciei a transição. Eu nem lembrava qual era a textura real do meu cabelo — diz.
Para a blogueira, a mudança vai além dos cachos.
— Eu não gostava das minhas curvas, do meu cabelo nem do meu nariz. As pessoas diziam que eu era mestiça ou mulata. Mas eu sou negra. Precisei, primeiro, me ver como uma negra para depois entender e aceitar todas as minhas características.
Jovem vive restrição por causa de chapinha
Até os 13 anos, Vanelli Brasil tinha seus cabelos cacheados como uma de suas principais características. As pessoas começaram a comentar que os fios eram rebeldes e estavam sem forma. A solução? O relaxamento.
Para Vanelli, as crianças e jovens buscam referências. Na televisão e no cotidiano, é pequeno o número de mulheres cacheadas:
— Lembro das mil vezes que saía correndo por causa da chuva. Eu era dependente da chapinha. Em boa parte, ele estava liso e preso. Chegou um momento que eu iria alisar para sempre ou assumiria os cachos. Escolhi a segunda opção.
Vanelli cortou aos poucos, lutou contra os fios ressecados. O processo foi lento, mas ela teve paciência.
Toda sorridente, Vanelli encara a sua imagem no espelho e revela:
— Eu me reencontrei, e não pretendo alisar mais. Antes, via o cabelo como um acessório. Hoje vejo que é um complemento do meu ser. Eu me sinto mais confiante, mais bonita.
Rebatendo a fala geral de que é trabalhoso cuidar de um cabelo cacheado, Vanelli destaca que é bem mais prático agora:
— Antes, acordava cedo para retocar a chapinha, a raiz ficava oleosa facilmente. Tenho cuidados extras, pesquiso muitos produtos. Gente, agora levanto e já estou pronta. Quanto mais natural, mais bonita — ressalta ela.
Na família de cabelos alisados, os cachos de Vanelli se destacam e já inspiram a irmã de 11 anos.
‘Ninguém sabia como cuidar do meu cabelo’
De uma família com cabelos lisos naturais, Letícia Lisboa sofreu por ter fios crespos. Durante toda a sua infância, ele estava bagunçado ou preso.
— Ninguém sabia direito como cuidar do meu cabelo. Lembro que queria ser paquita, e o cabelo tinha que ser liso para o teste. Foi então que comecei a fazer escova progressiva — conta a jovem de 22 anos.
No ensino médio, por falta de dinheiro, Letícia precisou assumir os seus fios. Foi nesse momento que assumiu sua personalidade.
— Assumi, entendi minhas raízes e fui criando meu estilo. Amo cabelos coloridos, e estou sempre mudando. Meu cabelo reflete tanto minha personalidade que, se algo muda, eu corto e pinto o sete com os fios — comenta.
Segundo Letícia, as meninas que querem exibir seus fios naturais e fazer moda com eles precisam ter pensamento firme:
— Muita gente vai falar que é feio, trabalhoso. Precisamos manter e acreditar na nossa beleza. Mude sem medo e orgulhe-se.
Via Mais Baixada - Extra