BELFORD ROXO - Duas voltas completas na pista de atletismo podem não parecer muito, mas são o elo entre dois brasileiros de origem hum...
BELFORD ROXO - Duas voltas completas na pista de atletismo podem não parecer muito, mas são o elo entre dois brasileiros de origem humilde e potencial para vencer na vida através do esporte. Um deles hoje é um senhor de 54 anos, consagrado como um dos maiores nomes do esporte do país em todos os tempos. O outro, que nem era nascido à época do maior feito do ídolo, ainda tenta provar que as expectativas podem se converter em medalhas. É com a bênção de Joaquim Cruz que Thiago André tenta trocar a alcunha de "caçador de pipas" pela de sucessor do campeão olímpico dos 800m nas provas de meio fundo, a começar pela disputa do primeiro Mundial em Londres.
Nascido e criado no bairro Nova Aurora, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Thiago chegou ao atletismo porque, entre as crianças com que brincava, era o menino “rapidão” que corria atrás de pipas mesmo descalço. Tão logo levou o esporte mais a sério, começou a chamar a atenção e progredir em nível estatual, nacional e internacional nas categorias de base. Fez o suficiente para que Joaquim ouvisse falar de sua performance no Mundial Juvenil de 2014 mesmo ficando fora do pódio nos 1.500m.
- A primeira vez que ouvi falar sobre o Thiago foi o Wandeco (Carlos Wanderley, amigo de infância que me direcionou para o atletismo) que me telefonou para dizer que tinha assistido à corrida do Thiago em Eugene. "Ele corre muito fácil e parecer ser um corredor inteligente e valente", afirmou o Carlos. Peguei o meu computador e assisti à prova. Durante a corrida, o Thiago realmente se comportou como um competidor em controle e senhor de suas emoções. Ele não venceu, mas a atitude e comportamento dele chamaram atenção. Muitas pessoas que viram ele correr acharam que ele ia ser um nome forte nos 1.500m nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – disse Joaquim.
Desta vez, porém, a expectativa pelos recordes da base deu lugar à frustração. Diante da elite mundial, Thiago ficou longe de suas melhores marcas e se despediu na fase classificatória com apenas o 22º tempo geral.
Depois das Olimpíadas, uma série de mudanças se refletiu em uma guinada também nos resultados. Thiago trocou de cidade e de técnico e voltou a evoluir. Conquistou índice para o Mundial de Londres tanto nos 1.500m quanto nos 800m. Na prova mais longa a vaga veio com direito a quebra do recorde sul-americano sub-23, pertencente a Joaquim há mais de três décadas. O fluminense, porém, decidiu abrir mão dela para apostar todas as fichas nos 800m.
Hoje Thiago tem 21 anos, está em 17º lugar no ranking mundial e demonstra uma postura mais centrada. Se para Pequim 2015 ele tinha índice e deixou que questões exteriores interferissem em seu planejamento a ponto de não competir, desta vez ele esbanja confiança. Boa parte dela adquirida justamente após conhecer Joaquim pessoalmente.
- No lançamento do livro dele, ele me falou que não adiantaria nada todo mundo querer uma coisa sendo que a decisão final sempre vai ser minha. Falou para mim: sonhar, decidir e executar. Você sonha, decide no treino e executa na competição. E essas três coisas ficaram na minha cabeça. Eu procuro frases que podem fazer diferença na minha vida e abraço as coisas que as pessoas falam que cabem a mim e me façam evoluir. (...) Acho que é muito possível a gente estar numa final dos 800m. Estou muito dedicado para isso, só faço isso da vida para chegar no Mundial 100% e fazer um ótimo resultado.
Joaquim concorda que Thiago pode representar bem o Brasil na competição – a estreia dos 800m masculino será no segundo dia de eventos, sábado, 5 de agosto, às 8h45 da manhã (horário de Brasília). Mas acredita que, para a trajetória do jovem talento de fato se assemelhe à dele, com conquistas do mesmo porte no adulto, será preciso mudar ainda mais. Será preciso derrubar fronteiras para transformar os sonhos em ações.
- Uma coisa que temos em comum é que ele tem um sonho e expectativa maior do que a vida dele. Ele tem planejado e está pronto para encarar os desafios do esporte internacional. Todo atleta que deseja competir no nível internacional e dominar tem que sair de sua zona de conforto, se aventurar e explorar os horizontes. Ele tem que conviver e aprender a conhecer sobre os adversários dele, onde e como eles treinam e competem. Você só consegue isto vivendo fora do Brasil. Acho que ele já deve saber disso. Ele com certeza terá um futuro brilhante. Ele só vai ter que saber gerenciar bem a carreira esportiva com a vida pessoal e família.
Via Globo Esporte